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VOCÊ É O PEREGRINO DO SEU TEMPO - Ensaio

Você é o Peregrino do Seu Tempo


Embora talvez não saibam, todos somos peregrinos de um tempo efêmero. Se a vida na individualidade é irreal, paradoxalmente, torna-se necessária para que tenhamos o confronto que nos fará cientes da unicidade. Somente encontramos o bom quando conhecemos o mal, assim como todas as dicotomias são solucionadas quando se tem a noção dos pares de opostos.


Como poderíamos saber o que é o medo, a solidão, a dor, a tristeza, bem como a morte na condição da vida do espírito que não conhece as coisas atribuídas à natureza humana? Assim, torna-se necessário que tenhamos que “cair” como anjos, para viver tudo isso e valorizar aquilo que já nos pertence. Mas não nos damos conta disso. Aí, há de compreender o medo, a solidão, a tristeza e também a morte, pois estes desafios somente são perceptíveis quando a consciência estiver limitada pela densidade do corpo físico e dos desejos.


Como se pode saber o que é o verdadeiro amor, se o mesmo não foi testado diante dos confrontos desarmônicos? Como se pode conhecer a luz se não vivermos na escuridão das trevas? Temos que ser como o prisioneiro que vivia no fundo da caverna das ilusões que ousou se libertar em busca de luz, por entender que estava preso pelos seus condicionamentos.

A força da vontade somente será testada no seu confronto com o apelo do desejo e após muitas caídas, ela vencerá. Basta ver o quanto estamos condicionados pelos nossos quereres pessoais.


As diferenças por mais “injustas” que possam parecer, são necessárias, pois elas se constituem no grande campo do exercício das provas individuais e nada pode ser feito para que haja um tratamento uniforme, pois dentro da grande caminhada cada um somente pode ser testado nos desafios segundo suas próprias necessidades. O voo é solo, noturno e às vezes com densas nuvens, mas podemos dispor de instrumentos para que a travessia seja mais lúcida. Basta procurar saber o nosso destino. Mas nem sempre é fácil sabê-lo. Às vezes temos que descobrir o destino por ações do próprio destino. Se eu desvio do meu caminho, estarei indo ao encontro de um destino, ainda que não seja o final, mas esse pode ser necessário para que mudemos de rota e possamos ser novamente colocados no reto caminhar, até o próximo desvio e assim sucessivamente, até que não mais iremos incorrer em novos desvios por escolhas equivocadas.


É facultada ao peregrino a escolha do seu caminhar pela trilha, o que se denomina por “livre-arbítrio”. O livre-arbítrio existe de fato, mas está circunscrito às ações que gerarão o Karma futuro, não havendo ação sobre o Karma passado, pois esse se manifestará independente de qualquer ação presente. Quando muito, podemos fazer com que as consequências desse Karma passado possam ser atenuadas pela compreensão e aceitação e assim os efeitos poderão estar a serviço do processo de amadurecimento, ainda que seja revestido de dor.


Certa vez me perguntaram se a evolução não pode ser processada pelo amor. Será que tem que existir a dor para que as pessoas possam despertar?


Nas últimas linhas da Divina Comédia, Dante, após ele ter a visão de Deus, descreve que Ele não é apenas uma imagem ofuscante de luz gloriosa, mas, acima de tudo é “l’Amor che move il Sole e l’altre stelle”, ou seja “O amor que move o Sol e as outras estrelas”.


O amor é o mais importante dos sentimentos sendo que é ele que movimenta o universo. O que seria da manifestação se não houvesse o amor? Da mesma forma que é pelo ato de amor que há a criação é também pelo ato de amor que se dá a dissolução. A dissolução é a fusão com o outro, em todos os sentidos, principalmente entre aqueles que sentem o verdadeiro amor, que leva à Unicidade.


Na primeira carta aos Coríntios 13, Paulo nos ensina que “o amor é paciente, é bondoso, o amor não é invejoso, não é arrogante, não se ensoberbece; não é ambicioso, não busca seus próprios interesses, não se irrita, não guarda ressentimento pelo mal sofrido, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.


Sem dúvida o amor é como a amálgama que a tudo envolve e aglutina, fazendo a fusão na essência. Como vimos, o amor cria a aparente separatividade, pois como ele move o Sol e as estrelas, cria também outro ser pela união dos sexos, sendo esse o maior exemplo da criação da separatividade no nível humano. Mas o ato da criação envolve, naturalmente, não só outro ser, mas qualquer obra que se queira realizar e uma vez consumado, o que foi criado já não pertence mais a quem o criou. Um filho, uma música, um quadro, uma escultura, um livro, um poema, quando concebidos e formados, mostrados e lançados ao mundo, pertence a quem, senão ao universo?


Dante fala da criação e Paulo nos ensina a dissolução, pois o amor nada ambiciona, não tem pretensões, a tudo suporta, sendo que não impõe qualquer condição, pois libera e desapega. Não existem de fato paradoxos, pois o amor movido pelo anseio da união faz a separação pelo ato criativo, mas o mesmo sentimento move em direção à união maior que é a dissolução de tudo o que foi criado como “diferentes”, a fim de reintegrar tudo de volta ao corpo da Unidade.


Sem o amor viveríamos nas trevas. Ou melhor, não viveríamos, pois não haveria a manifestação, mas as trevas também podem ser vividas quando não temos o sentimento verdadeiro do amor. Se o condicionamos, surge a dor, e como vivemos no mundo condicionado, isso parece ser inevitável, ao menos por hora. Então, para evoluirmos temos que mergulhar nas profundezas para que experimentemos os sabores do mel e do fel, fazendo com que, após uma saturação de experienciar toda a sorte de dissabores da separatividade, brote a luz do discernimento e que, como o habitante da Caverna de Platão, possamos sair das sombras da ignorância.


A dor acompanha os nascimentos, a adaptação do organismo do bebê na assimilação dos alimentos, o surgimento das dentições, as transformações orgânicas pelos hormônios do crescimento, o chamado das responsabilidades, o viver as ilusões e as desilusões amorosas, o enfrentar do amadurecimento, as dúvidas, os julgamentos e a as escolhas, os esforços para obter conquistas e reconhecimentos, o ser colocado em desalento pelas perdas, os distanciamentos, as doenças, a decrepitude e, finalmente, a própria morte e a dissolução da personalidade. A dor integra a vida e temos que aprender a conviver com ela, pois é nossa “parceira” de todas as horas. Se ela existe é um anúncio a que se façam os ajustes necessários para a transformação. É pela dor que seremos desafiados e os desafios são impostos sem que existam necessariamente padrões, tanto quanto de natureza como de intensidade da carga colocada em nossos ombros. Não existe uma carga mais pesada do que outra, pois somente quem a carrega sente o seu peso. E não pode ser de outra maneira, pois somos todos diferentes, enquanto projetados no mundo das formas. Alguns têm muito, outros nada, sendo testados na riqueza e outros na pobreza, uns na condição de mando e poder outros na posição de humilde serviçal, alguns dotados de beleza e outros da feiura, uns alegres e outros infelizes, alguns saudáveis e outros doentes.


Aos olhos mais simplistas, daqueles que até sonham por um mundo justo e fraterno, podem não compreender a diversidade das coisas, o que leva a rotular o mundo como cruel, negando Deus, por acreditar que aqui é o império da injustiça. Aí perguntam: Como pode haver a Bondade Divina na criação de um mundo de maldades? Ledo engano! O plano da evolução é calcado no princípio da lógica que estrutura a vida para que ela se desenvolva dentro da mais absoluta justiça, sendo o Karma e a reencarnação os agentes que levam ao equilíbrio e à harmonia.


O verdadeiro tratamento isonômico é aquele que trata os desiguais pelas suas desigualdades e os iguais pelas suas igualdades. Não há lei humana, não há ideologia, não há estrutura de imposição social que possam interferir no Karma maduro, pois cada um tem o seu quinhão específico, o que fará que venha neste mundo como desigual para descobrir a igualdade.


Ainda que andemos pelas sombras, nos vales das lágrimas, haverá esperança e esperança não significa esperar tão somente, mas sim esperançar, que é a confiança de que é possível a realização da vontade, ou seja, é a FÉ e o AMOR. Esperançar é ter ânimo, estimular-se para que os obstáculos sejam vencidos e havendo confiança, haverá luz e havendo luz, nunca haverá sombras. É certo que a dor existe, mas sempre haverá a esperança de que o sofrimento se transforme em uma doce lembrança! E diante do sofrimento, nosso e do outro é que podemos ser compassivos, fazendo com que sejamos éticos e responsáveis, servindo a causas em que as dores do mundo possam ser diminuídas, fazendo com que a carga dos sofrimentos alheios seja minorada, trabalhando para que o mundo seja mais distributivo e solidário e aí entra o sentido da COMPAIXÃO e da CARIDADE.


E esse é o caminhar na trilha deste Peregrino do Tempo, uma trilha que é feita por estágios, pontuada por percursos com inícios, meios e fins, e quando se chega a um fim não será o fim definitivo, mas sim um breve espaço de tempo para que se reúnam os provimentos necessários, a fim de que se inicie outra etapa desta jornada a caminho das estrelas.







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