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PODEMOS MUDAR O PASSADO? - Ensaio

O passado é fixo e permanente? Ou é móvel e impermanente? Podemos mudá-lo?


Creio que a resposta natural é que não, pois o passado já passou e não podemos voltar para mudá-lo, como os antigos diziam que “águas passadas não movem moinhos”.


Mas será que é isso mesmo? Será que não conseguimos voltar ao passado, como se adentrássemos ao túnel do tempo e ir lá e mudarmos alguma coisa? Talvez até para mudarmos o nosso futuro?


Platão concebe o tempo como uma aparência mutável e perecível de uma essência imutável e imperecível que é a eternidade, sendo uma ordem mensurável em movimento, em que está em permanente mudança. Assim, o tempo é uma imitação imperfeita da eternidade que é perfeita. É uma mera sombra da eternidade. É uma ilusão.


Santo Agostinho, por sua vez, diz que o tempo não possui qualquer realidade fora do sujeito, existindo, portanto, dentro da perspectiva da subjetividade da pessoa.


Diz ainda que o passado existe no presente por força da memória. Da mesma forma, o futuro existe, por força da expectativa de que as coisas ocorrerão, no presente. E o presente seria a percepção imediata do que ocorre. Assim existe o presente das coisas passadas, presente das coisas futuras e presente das coisas presentes.


Portanto, o tempo é subjetivo, pois o modo como nos referimos às coisas depende totalmente de elementos internos e as relações temporais são impressões mentais.


Outra pergunta que se faz é: Vivemos em uma realidade de contínua transformação? Ou ela é estática?

Quando se pergunta isso, a nossa resposta tende a ser que é de contínua transformação. Esta é a forma comum de pensarmos e refletirmos, mas será que agimos desta forma?


Nós temos o conceito da impermanência das coisas de forma intelectiva, mas nem sempre a percebemos.

Impermanência não é aquilo que deixa de existir, mas sim o que está em contínua transformação.


Então. Se eu vivo em uma realidade de contínua transformação, por que ela surge a mim como permanente?


Parece que ocorre é que na infância nós vamos vendo situações e objetos pela primeira vez, tendo sensações que criam conceitos, como se fossem fotografias. Vamos, assim, continuando a tirar fotos que não são somente representações do objeto, mas sim envolvem outros fatores, como aquele momento com seus aromas e sabores, que vão dando contornos pelas nossas lentes com filtros e perspectivas, pelo tempo de exposição e velocidade da visão, que são determinados pelo observador.


Nós vemos o objeto, as pessoas inseridas na atmosfera das situações, segundo nossas perspectivas. É a perspectiva do fotógrafo. De quem tira a fotografia. A sua própria realidade e com isso construímos conceitos mentais que irão influenciar como viveremos o mundo para toda a vida. Formamos também conceitos falsos fomentados pelo meio, que são os preconceitos.


A partir daí, a cada vez que nós reencontramos as mesmas situações, pessoas e objetos, nós não tiramos novas fotos,

mas sim vamos buscar em nosso banco de dados da memória a imagem que coincide com o que vemos à nossa frente.

Então, esses parâmetros de memória que são fixos, serão utilizados como forma de reconhecer e aplicar no momento em que estamos vivendo no presente. São os condicionamentos.


Porém entre uma fotografia feita no momento passado e a de agora, já decorreram mudanças e transformações.


Assim, os objetos e principalmente as pessoas não serão mais os mesmos e somente tomaremos consciência quando formos afrontados com novas situações para que compreendamos o que mudou.


Por exemplo. Assistimos a um filme há muitos anos e nos emocionamos com ele e o guardamos na memória como um marco em nossas vidas e temos o desejo de revê-lo, mas quando o assistimos novamente, podemos achá-lo piegas, fútil e pueril.


O filme seguramente não mudou, mas nós como observadores mudamos. Amadurecemos e temos outras visões.


Este é um exemplo concreto, mas nas outras coisas que envolvem as relações interpessoais, situações mal resolvidas, conceitos e preconceitos, não são tão evidentes. Achamos que os outros deveriam ser o que idealizamos no início.


Esse é o nosso mecanismo interno e vivemos pautados por ele. É difícil não o utilizarmos, mas podemos fazê-lo com a consciência de que ele existe. Parece óbvio tudo isso, mas nem sempre temos consciência desse mecanismo.


Voltemos, então, à pergunta. Podemos mudar o nosso passado? O passado é impermanente?


Sim, podemos mudar o passado, pois o passado é impermanente.


Não podemos mudar o evento, mas a percepção do evento.


Eu tenho poder de me direcionar diante dos eventos passados e influenciar na sua transformação.


Assim, temos que fazer um download constante de novas imagens mentais, atualizando os parâmetros, pois a realidade não é objetiva, mas depende do observador.


Temos que humildemente tomar consciência de que tudo está conectado em uma rede de eventos e que as ações passadas determinaram ações presentes, e o que consideramos com ações más, podemos ver como tendo sido necessárias para o nosso crescimento.


Pela consciência disso, podemos a tudo perdoar, mesmo aqueles que nos tiraram as maiores riquezas, como nossos entes queridos, pais, irmãos, esposas, maridos e os próprios filhos.


E isso inclui principalmente o mal que nós mesmos produzimos. O mal que fizemos aos outros e que fizemos para nós mesmos.


Isso se chama Metanoia. “Meta” é aquilo que está acima e “noia” é mente. Ou seja, mudança de consciência. Os evangelhos foram originalmente escritos em grego e depois traduzidos para o latim e a partir daí para outras línguas. A palavra Metanoia foi traduzida para arrependimento, que no latim é “repoenitere”, ou seja, aquilo que provoca pena, ter pena, vindo daí o sentimento de culpa e remorso.


A nossa postura não deve ser de penalização, mas sim de autorreflexão.


Tendo novos olhares para o passado, mudando nosso padrão mental, podemos nos pacificar, ressignificando dores, raivas, tristezas, culpas, remorsos, regenerando-nos.


Aí, a aversão pode se transformar em compaixão, A avareza em generosidade, A raiva em amor.


Assim, ajustemos nossas lentes, mudemos nossos óculos. Não fiquemos presos ao fotograma congelado de um filme. Transformemos o enredo do filme da nossa vida.


Adentremos ao Túnel do Tempo!




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