O SIMBOLISMO OCULTO DA BRANCA DE NEVE - Ensaio
O SIMBOLISMO OCULTO DA BRANCA DE NEVE
(Extraído de meu livro "Um Peregrino do Tempo - Memórias e Reflexões da Viagem de Uma Alma).
O conto Branca de Neve e os Sete Anões encanta há séculos o mundo infantil com uma narrativa simples mas repleta de simbolismos, a revelar um significado mais profundo do que de fato aparenta. O conto, embora tenha sido escrito pelos irmãos Grimm no início do século dezoito, quando eles registraram vários contos infantis, na realidade pertencente às tradições orais europeias, principalmente a alemã, desconhecendo a sua autoria.
Walt Disney, em 1937, lançou o desenho animado do conto, mas que incorpora outros símbolos esotéricos, tendo em vista que ele era Maçom e conhecia a temática dos simbolismos e do Universo oculto.
Os contos relatam estórias com tal pureza que faz com que ninguém os altere, preservando-os para a “posteridade”. Os contos são como os mitos que ocultam verdades revestidas de simbolismos, o que requer um olhar não convencional, capaz de identificar a real mensagem do que eles querem passar, sendo um rico manancial de informações que reúne verdadeiros tesouros de sabedoria.
Nessas histórias sempre existe o rei, a rainha mãe, a rainha madrasta, a princesa e o príncipe, e uma narrativa onde a princesa é alvo da inveja e pela ameaça de morte faz com que refugie na floresta, passando por experiências de medo e descobertas, até que chega o momento do encontro com o príncipe amado, que a acorda com o beijo da vida e a leva para o castelo eterno.
Santa Tereza de Ávila, no século XVI, em seu O Livro das Moradas, também chamado de Castelo Interior, descreve as sete passagens que a alma faz para alcançar Deus, o qual vive na sétima e última morada. No livro, ela associa que a nossa alma é como um castelo de diamante ou cristal muito claro, com muitos aposentos, assim muitas moradas, mas tem o aposento onde o Rei reina poderoso, com pureza e sabedoria.
Ela, em sua narrativa, menciona que somos feitos à imagem e semelhança de Deus e "não há razão para nos cansarmos a querer compreender a formosura deste castelo; porque, ainda que haja diferença dele a Deus como do Criador à criatura, pois é criatura, basta dizer Sua Majestade que a alma é feita à Sua imagem, para que possamos entender a grande dignidade e formosura da alma.”
Em outro trecho Santa Tereza cita: "Consideremos agora que este castelo tem, como disse, muitas moradas: umas no alto, outras em baixo, outras aos lados; e, no centro e meio de todas estas, tem a mais principal onde se passam as coisas mais secretas entre Deus e a alma..."
Assim, o castelo é a nossa verdadeira morada, sendo que a torre central é associada ao que há de mais elevado, pois lá é a morada do Rei, o Universo não manifestado. O Castelo, com o formato piramidal, é associado ao princípio superior, com os atributos divinos, podendo fazer uma alusão à Vontade, à Sabedoria e à Inteligência, ou Atma (centelha divina), Buddhi (intuição iluminada) e Manas (mente), que são os três atributos que perfazem o verdadeiro homem interior.
FIGURA 1 = O CASTELO
A rainha mãe representa o princípio que gera a vida, Gaia, o Espírito Santo, o Grande Arquiteto do Universo, enquanto a rainha madrasta é associada à deusa da noite ou da morte. A deusa da noite é denomina por diferentes nomes: Nyx, mãe das Erínias, segundo Ésquilo; Fiandeiras para Homero; Moiras ou Parcas, sendo as filhas da Necessidade, de acordo com Platão.
A rainha madrasta traça o destino ou o Karma, ou seja, é ela quem “expulsa” a alma do paraíso para o mundo da matéria, que no caso é representada pela Branca de Neve, criada à imagem e semelhança de Deus, pura, mas ingênua e sem experiências em viver a densidade no mundo das coisas.
Disney apresenta a imagem do príncipe que é o filho do Rei (Deus), que significa o primeiro, o princípio, que é a essência espiritual da Vontade, ou seja a sede do EU, o Atma. Na cena onde eles se encontram e ela, assustada, sai correndo e se aloja em uma sacada; ele no jardim canta o amor que sente por ela para estabelecer a união entre os dois.
FIGURA 2 = O BEIJO DA UNIÃO
A cena é emoldurada por cerejeiras, denominada Sakura, que na tradição japonesa é o nome de uma princesa das florações que caiu do céu e representa a fragilidade da vida humana. A cena ainda apresenta os pombos como mensageiros da paz e da pureza e é nesse contexto que é selada a união de Atma com Buddhi por meio do beijo transmitido pelo pombo branco, simbolizando o sopro da vida.
O conto narra que “a rainha mãe estava a bordar, enquanto os flocos de neve caíam do céu no coração do inverno, estando ao pé de uma janela aberta, cuja moldura era de ébano. Ela feriu o seu dedo com a agulha, pingando três gotas de sangue na neve, produzindo um efeito lindo, com o branco manchado de vermelho e realçado pela negra moldura da janela, que a rainha suspirou e disse: Quem me dera ter uma filha tão alva como a neve, carminada como o sangue e cujo rosto fosse emoldurado de preto como o ébano!”
O tecer é o ato da criação e o inverno representa a morte e aqui cabe contextualizar que a morte real não é a do corpo físico, mas sim o contrário, pois quando se nasce para a vida da matéria é o espírito quem morre. Morre em sua consciência. A morte do corpo, no entanto, é o renascimento do espírito sendo essa a verdadeira vida, conforme nos diz Platão quando menciona que "o corpo é o sepulcro de espírito".
As três gotas de sangue do conto são os três princípios (Atma, Buddhi e Manas) projetados na neve da morte, e agora unidos, fariam nascer a princesa, a Branca de Neve, o que ocorreu tempos depois, quando a sua mãe, a rainha, veio a falecer.
A rainha mãe, como já mencionei, corresponde à divindade criadora que agora não mais atua diretamente, uma vez que que a alma criada passa às mãos de outra mãe, que é a nova esposa do Rei, a madrasta, que irá assumir o papel daquela que selará o destino da vida na matéria ao ordenar a morte de Branca de Neve aos sete anos. Os sete anos correspondem à projeção dos veículos de manifestação, podendo também estar correlacionado ao período em que a criança, ao nascer, necessitará de sete anos para consolidar a sua presença na vida na matéria.
A rainha madrasta é apresentada como má, egoísta, com inveja doentia da Branca de Neve, e na cena do filme de Disney ela encomenda a morte da princesa, determinando que o caçador após matá-la traga o seu coração depositado em uma urna.
FIGURA 3 = A ROSA E A CRUZ
É uma clara alusão à imagem da rosa na cruz, cujo coração está preso aos quatro elementos da materialidade. Assim a morte aqui é literal, pois é a morte necessária do Espírito ao ser crucificado na matéria, sendo alijado da vida nos jardins do Éden.
Nesta perspectiva, a rainha assume o mesmo papel da serpente bíblica que determina que a alma tenha que “nascer” na matéria ao ser “expulsa” do paraíso, e assim ela é a personificação do Karma, não sendo má por si, mas assumindo um papel necessário para que o destino se cumpra, pois ela é a Filha da Necessidade.
Platão, no livro A República, discorre sobre a conversa de Sócrates com Glauco, onde diz que “a virgem Láquesis, filha da Necessidade, Almas efêmeras, começam uma nova carreira a renascerem para a condição mortal. Não é um gênio que vos escolherá, vós mesmos escolhereis o vosso gênio. Que o primeiro designado pela sorte seja o primeiro a escolher a vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor: cada um de vós, consoante a venera ou a desdenha, terá mais ou menos. A responsabilidade é daquele que escolhe. Deus não é responsável”.
Desta forma, a madrasta assume essa condição, a determinar o renascimento para a condição da mortalidade e o texto está a se referir que cada alma será submetida às provas segundo suas próprias necessidades.
O caçador não a mata, mas sim permite que ela se refugie na floresta para não mais voltar ao castelo, e ela fica abandonada na floresta, vagando trêmula de medo, sem saber o que fazer.
Depois de muito andar, ela encontra uma casa em uma clareira, entra e nota que tudo estava limpo e arrumado, encontra sete camas pequenas, nas quais ela procura se deitar, mas a única que tinha a medida mais justa é a sétima. Ela, após uma prece, cai em profundo sono e ao amanhecer ela acorda e assustada vê os sete anões, que perguntam o seu nome, para os quais ela responde, e eles propõem que ela lá permaneça cuidando deles, mantendo-os alimentados, limpos e vestidos, tornando-se a cuidadora do lar, o que ela concordou.
A floresta representa o mergulho no ambiente inóspito, como um cipoal de labirintos com todos os terrores e adversidades, envolvendo o mundo astral, o umbral, até o momento em que ela (a Alma Humana) encontra a clareira (o útero materno) com uma pequena casa com sete camas, consignando aí o nascimento no plano físico, por meio dos sete centros de energia do corpo, ou seja, os sete principais chakras, pelos quais ela deverá zelar como rainha.
Os sete anões estão perfeitamente identificados com os Chakras, até ao narrar que Branca de Neve, deita-se na sétima cama ocupada pelo mestre dos anões, sendo que este correspondente à pineal, que é a sede da consciência, ou seja, o Chakra Coronário e quando ela “acorda” junto aos anões significa o seu nascimento carnal.
FIGURA 4 = OS 7 CHAKRAS
E assim, a vida seguiu até que a rainha madrasta descobre que a Branca de Neve não havia “morrido” e resolve descer ao mundo da floresta, atravessando as sete montanhas para, disfarçada de uma velha vendedora, oferecer à Branca de Neve um belo cinto de cetim rosa, com o qual abotoou, apertando-o com grande força, fazendo a Branca de Neve desfalecer.
Diante do falecimento, a madrasta voltou para o castelo. Os anões ao voltarem para o lar encontraram Branca de Neve caída, retiraram o cinto e a reanimaram, fazendo-a voltar à vida.
A rainha “má”, novamente, descobrindo que ela estava viva, volta e se apresenta como outra vendedora, agora dando de presente um pente cravejado de pérolas, contendo veneno e penteou os sedosos cabelos da bela moça, que caiu imediatamente morta. Novamente os anões a salvam, retirando o pente envenenado.
A rainha, não contente, agora, prepara a poção fatal, impregnando uma maçã com o mortal veneno. Transformada em velha bruxa, ela volta à casinha e oferece a irresistível maçã, com a qual Branca de Neve morre à primeira mordida. E agora o ato estava irremediavelmente consumado. Os anões voltam e não mais conseguem revivê-la e como ela estava perfeita em sua forma, depositam-na em um esquife de cristal.
No início da narrativa do livro, a rainha mãe se feriu e as três gotas de sangue caíram na neve produzindo o efeito lindo com o branco, manchado de vermelho e realçado pela negra moldura da janela. Branco, Vermelho e Negro. Isso anunciou o nascimento da Alma Humana e depois a sua projeção para o mundo da matéria, significando a morte espiritual, ou seja, a queda na matéria imposta pela necessidade da evolução, o que se dá pela ação da rainha madrasta.
O processo alquímico envolve o Negro da purificação (Nigredo) que está associado à morte espiritual, o Branco (Albedo) da purificação, o Amarelo (Citrinitas) do despertar e o Vermelho (Rubedo) da iluminação.
Assim, Branca de Neve “morre” em espírito para nascer no mundo e depois de viver suas experiências deve retornar pelo despertar e se iluminar, não importando quantas vidas sejam necessárias para tal.
A realidade última reside no plano imanifestado, sendo que o plano da manifestação é o campo de provas no qual seremos colocados para que sejam assimiladas lições pelos erros e acertos praticados.
FIGURA 5 = OS 7 PLANOS
O nascimento na matéria se dá com a constituição de um novo corpo mental, o qual é dual, sendo que a parte inferior corresponde ao mental cognitivo e a superior onde se dá a reunião de todo o manancial de conhecimento da essência da vida, pois ele se constitui na Alma Humana reencarnante.
No processo de nascimento são constituídos o corpo mental, o corpo astral e o corpo físico, que se formam na proteção da casinha do útero materno da criação e lá entram em contato com seus centros vitais de energia e se projetam para a vida.
O que está em cima é similar ao que está embaixo.
Mas, ao chegar a hora do retorno, existem as três mortes: a morte do corpo físico, do corpo astral e do corpo mental inferior.
Penso que aqui podem haver duas interpretações quanto à morte.
A primeira seria a efetiva expulsão do paraíso ao comer a maçã, sendo que ela cai em sono profundo de sua contraparte espiritual.
Neste caso, ela fica em sono, como morta, mas na condição de viva para as coisas terrenas, até ser acordada pelo príncipe, para então voltar ao seu reino real que é a do espírito, indicando a ressurreição como aquele que não mais retorna.
FIGURA 6 = O ESPELHO E O DESPERTAR
A segunda interpretação é a de que ela vive como humana até ocorrerem as três mortes e, neste caso, elas corresponderiam da seguinte forma:
1ª Morte = o corpo físico, correlacionado pelo mineral, pelo estrangulamento pelo cinto (respiração) – Purificação (Albedo)
2ª Morte = Corpo Astral, correlacionado com o vegetal animal, pelo envenenamento do pente – Despertar (Citrinitas), e
3ª Morte = Corpo Mental (inferior), correlacionado com o hominal, pela ingestão da maçã – Iluminação (Rubedo).
Aí, a Branca de neve passaria por muitos anos no esquife, numa alusão ao período de erraticidade em que a alma estará submetida, o que pode levar muito tempo, até que o príncipe a encontra e com o beijo do despertar faz com que ela acorde do sono profundo, para levá-la em seu cavalo ao Castelo Real, onde viverão felizes na eternidade.
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