O FLUIR DO SURFISTA (Eu sou a Luz, o Caminho, a Verdade e a Vida) - Ensaio
Neste estágio da vida, às portas dos 70 anos, encontro-me em autoisolamento no litoral.
No litoral, mas no interior. Buscando o interior de meu ser.
O momento pede por reflexões e hoje se estudo menos, observo mais.
É viver o silêncio, não falar, somente ouvir a voz do coração, os batimentos que compassam as linhas do tempo, como o pulsar das marés e das ondas que observo no mar.
Buscar a contemplação pela imersão nos elementos, vendo o mar desta pequena praia, em esplendor de magnífica beleza, de força, mistério e poder.
As águas sonolentas resplandecem o azul do céu refletido como espelho de aconchego a acalentar sonhos de paz.
Quando chega o vento sul, as mesmas águas se fazem bravias, com hostis redemoinhos, a rugir em brados a sua fúria até então contida.
Estes são os momentos em que lá adentram os surfistas, que se lançam naquela turbulência, com destemor, à procura de comunhão com as águas da vida, a água da concepção da vida. É o mundo de Maya, Mare, Maria ou mãe.
O surfista não desafia as águas revoltas. Ele não vai contra elas, mas sim flutua calmamente sobre elas, contornando-as, cortejando-as como amantes, indo aos seus encontros, a conciliar seus movimentos de equilíbrio e beleza.
O ápice da manobra são os tubos, nos quais o surfista se coloca magicamente dentro da própria onda, envolvido em aconchego, sem ser engolfado, e saindo deslizando em glórias de união por um novo nascimento daquele ventre.
São nestes momentos de maior turbulência que ele pode se tornar hábil nas lidas com as adversidades. O tempo é paralisado, apesar das ondas continuarem sempre móveis pela ação do fluir do tempo.
O estado de serenidade do mar, no entanto, somente oferece o conforto de uma segurança estagnada, não estimulando a ação. Assim, há a necessidade das inóspitas turbulências para que ele seja afrontado com a verdadeira natureza de sua alma.
Assim, somente se pode crescer quando há interação e interação é acompanhada por certo grau de turbulência. Se não houver interação, há tendência à inércia.
Essa parece ser uma verdade. Mas o quê é a verdade?
Podemos comparar a verdade como o caleidoscópio. O observador vê na extremidade oposta contra uma fonte de luz as pequenas pedras coloridas, as quais irão formar um mosaico ou uma mandala, de acordo com os seus posicionamentos junto ao jogo de espelhos.
Todas as pedras são verdades iluminadas pela luz maior, formando a mandala. Cada um as vê de uma forma, pois elas se reacomodam pelo simples movimento do cilindro, dando outras formações inusitadas.
Assim, as pedras, embora sejam verdadeiras, apresentam-se como subjetivas, pois elas se alternam em seus posicionamentos, oferecendo outras perspectivas de realidades não sendo uma verdade objetiva.
O mesmo ocorre com o surfista que adentra a um tubo, aonde ele desliza no centro do torvelinho, representado pelas aparentes verdades, que são as águas transitórias em dança de Maya.
Mas a verdade única e objetiva é a própria luz, que não altera e é necessária para que haja a percepção do observador, quer no caleidoscópio, quer no tubo da onda.
Podemos fazer também outra analogia com o surfista e o tubo da onda, comparando-o ao bebê que vive os últimos momentos em sua vida final dentro do útero materno.
Quando o bebê atinge um determinado tamanho, o útero não oferece mais espaço, colocando-o em uma situação de insegurança e desconforto. Então, ele é compelido a se libertar daquela condição, sendo conduzido pelo estreito canal, até aflorar à luz.
Como essa metáfora do surfista, assim é a vida, havendo a necessidade de toda sorte de turbulência para que possamos nos movimentar e crescer, até o último e derradeiro momento em que não caibamos mais nas ondas da vida.
Aí, quando isso acontecer, nós entraremos como surfistas, deslizando para a saída deste tubo maior que nos conduzirá para a iluminação, quem sabe, eterna.
"Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida",
“Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida”.
João 8:12 e 14:6.
Sejamos surfistas! Surfistas da vida!
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