Amor e Dor como Veículos para a Regeneração - Ensaio
Amor e Dor como Veículos para a Regeneração
Karma e Regeneração – Lições para o Momento Atual
Dante, nas últimas linhas da Divina Comédia, após ele ter a visão de Deus, descreve que ELE (Deus) “não é apenas uma imagem ofuscante de luz gloriosa, mas, acima de tudo é o Amor que move o Sol e as outras estrelas”.
Ou seja, todo o universo foi criado por um ato de amor, entendendo-se por universo não só as formações estelares, mas também a própria vida que pulsa em toda parte.
Então, somos filhos do amor de Deus, feitos à sua imagem e semelhança em termos de princípios e essência e não em forma que são múltiplas em manifestação.
É também por ato de amor que nós nos procriamos, como imitadores de Deus, pois a maior expressão criativa e a geração dos nossos filhos.
Somos todos filhos do Amor.
Do amor de Deus e do amor de nossos antepassados.
Pais, avós, bisavós, tetravós, tataravós, de maneira que se considerarmos um período de 300 anos passados, foram necessários que tivéssemos mais de 16 mil antepassados, considerando gerações de 20 anos.
Vejam a quantidade de pessoas envolvidas em amor para que estivéssemos aqui.
Isso é o ato de gerar, que vem de gênese, que significa geração, sucessão dos seres, origem. Daí a necessidade da reverência da tradição e de mantermos acesa a honra aos nossos antepassados.
Assim, regenerar ou regeneração significa restabelecer o que foi destruído, reforma moral, dar nova existência, renascer, despertar.
Boa parte da humanidade não tem essa percepção e crê que não está conectada com nada. Então, nesse caso, o ato de gerar transforma-se em degeneração, entrando em declínio, pela negação e distanciando de sua origem.
Ora, somente se regenera aquilo que está degenerado.
Penso que a degeneração é fruto de um problema cognitivo, pois quando nascemos, esquecemos de quem somos e nada sabemos “conscientemente” de nosso verdadeiro Eu.
E isso é intensificado no mundo atual, que está calcado na materialidade do ter e do estar, em detrimento do Ser.
E é aí que começam os nossos problemas.
Então, o que é fruto original do amor, pela perda da conexão, cai em uma condição de dor.
Vivemos na dor, conforme o Senhor Budha nos ensinou quando discorreu sobre as quatro nobres verdades e a origem do sofrimento que tem raiz na relação de apego que desenvolvemos com coisas e pessoas. Como consequência das nobres verdades, ele apresenta o óctuplo caminho, sendo o primeiro passo a reta visão, ou o seja o necessário discernimento para que tenhamos a real medida das coisas.
Diante desse descompasso do esquecimento, por não enxergamos a realidade, é comum as pessoas fazerem algumas indagações, frutos da mente superficial que racionaliza:
Se o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, por qual motivo ele seria colocado em um mundo repleto de conflitos e dor?
Se o homem já é puro, por qual motivo ele necessita se envolver com toda sorte de impureza?
A evolução não pode ser feita pelo amor? Será que tem que existir a dor para que possamos nos despertar?
Eu sonho com um mundo justo e fraterno e como posso vir a compreendê-lo se aqui vivo na crueldade imposta pelo império da injustiça?
Como pode haver Bondade Divina na criação de um mundo de maldades? Existe Deus ou um princípio divino que determina todas as coisas? Ou estamos fadados a viver nossa própria sorte?
Vejamos:
Somos sim, criados na pureza da criação, mas totalmente ingênuos nas lidas com a matéria.
Como uma criança que ainda não anda e aos poucos vai percebendo e experimentando o mundo com seus perigos e por mais que nós façamos como pais, a vigília de nossos filhos eles nos escapam, principalmente na adolescência, e fogem de nossos olhos e irão experimentar por si mesmos as dores e sofrimentos para aprender a se relacionar com o seu ambiente.
Então, a criança, assim como nós mesmos enquanto adultos estaremos afastados da ação direta do Pai, pois ELE nos faculta o “livre-arbítrio”, fazendo-nos à mercê de nossas próprias experiências.
ELE pode quando muito apresentar à nossa volta os estímulos, não nos motivando necessariamente, pois motivação é condição inerente ao próprio indivíduo, sendo essa uma ação pessoal.
Assim, ninguém tem a capacidade de motivar o outro, podendo quando muito estimulá-lo, oferecendo oportunidades que nem sempre são percebidas ou que pela nossa arrogância as interpretamos como imposição de uma autoridade que não aceitamos, pois nos julgamos autossuficientes e “donos” de nós mesmos, de nosso corpo e de nossa mente.
Então, a motivação depende de uma atitude interior e espiritual.
Por exemplo, na alegoria da caverna de Platão, o habitante que lá vivia ao fundo da escuridão, preso a ela, somente saiu daquela condição pela sua própria motivação, o que foi despertada pelo estímulo das sombras projetadas pelas chamas da fogueira.
A luz foi projetada, fazendo com que houvesse a percepção das sombras, mas o que determinou o indivíduo a acordar foi sua motivação para o novo.
O acordar é uma condição individual que nos leva ao abandono da caverna a que estamos submetidos, pelos nossos condicionamentos presos a uma falsa realidade.
Estímulos não faltam no dia de hoje, com todo o acesso “tecnológico ao mundo do conhecimento “sem-limites”. As pessoas e os relacionamentos são nossos estímulos.
Mas até que ponto nós como habitantes desta caverna global que vivemos, estamos em condições de nos tornarem despertos? Distinguimos a realidade?
As informações são de tal monta e complexas, havendo muitos interesses subliminares, que há a necessidade do uso do discernimento para saber separar o real do irreal. Muito do que era errado virou certo e o certo se transformou em errado. Os valores foram corrompidos. Conceitos invertidos. A moral vilipendiada.
Esse é o maior problema humano. As pessoas não sabem para onde ir. E aí continuam no interior da caverna. Uma caverna “High-Tech” com “wi-fi”, cujos habitantes, embora conectados “on-line” e “real-time” com outras cavernas, continuam na maioria, presos e isolados em sua cabine a não enxergar outras possibilidades de vida interior.
Somos todos, de fato, pilotos de um veleiro da vida, sem outros tripulantes, desprovidos de instrumentos e às vezes enfrentando condições atmosféricas adversas, sem visibilidade, mergulhados no frio congelante das noites escuras da alma, fazendo uma viagem sem rumo.
Sêneca falava que “o piloto que não sabe para onde ir, todos os ventos o levarão a lugar algum”.
Assim, torna-se necessário que tenhamos que “cair” como anjos, para viver tudo isso e valorizar o universo que nós pertencemos. Temos que vir “desiguais” para descobrir a igualdade e a igualdade é Una.
Mas não nos damos conta disso. Aí, há de compreender o medo, a solidão, a tristeza e também a morte, pois estes desafios somente são perceptíveis quando a consciência estiver limitada pela densidade do corpo físico e dos desejos.
Então, como se pode saber o que é o verdadeiro amor, se o mesmo não foi testado diante dos confrontos desarmônicos? Como se pode conhecer a luz se não vivermos na escuridão das trevas?
A dor acompanha os nascimentos, a adaptação do organismo do bebê na assimilação dos alimentos, o surgimento das dentições, as transformações orgânicas pelos hormônios do crescimento, o chamado das responsabilidades, o viver as ilusões e as desilusões amorosas, o enfrentar do amadurecimento, as dúvidas, os julgamentos e a as escolhas, os esforços para obter conquistas e reconhecimentos, o ser colocado em desalento pelas perdas, os distanciamentos, as doenças, a decrepitude e, finalmente, a própria morte e a dissolução da personalidade.
A dor integra a vida e temos que aprender a conviver com ela, pois é nossa “parceira” de todas as horas. Se ela existe é um anúncio a que façamos os ajustes necessários para a nossa transformação.
É pela dor que seremos desafiados e os desafios são impostos sem que existam necessariamente padrões, tanto quanto de natureza como de intensidade da carga colocada sobre nossos ombros. Não existe uma carga mais pesada do que outra, pois somente quem a carrega sente o seu peso.
E não pode ser de outra maneira, pois somos todos diferentes, enquanto projetados no mundo das formas. Alguns têm muito, outros nada, sendo testados na riqueza e outros na pobreza, uns na condição de mando e poder outros na posição de humildes serviçais, alguns dotados de beleza e outros da feiúra, uns alegres e outros tristes, alguns saudáveis e outros doentes.
Queiramos ou não, todos nós somos escritores, mesmo não sabendo por hora o que estamos a fazer de nossas vidas.
Mas, aqui cada um escreve a sua própria história.
Somos escritores de um grande livro, com centenas de capítulos, sendo esse, o livro de nossa vida enquanto Almas Humanas. Desde a nossa vinda pela primeira vez por essas paragens, até a última de nossa existência.
Cada capítulo é uma vida, sendo que há uma sucessão de narrativas, embora quem as escreva não lembra exatamente de como terminou o capítulo anterior. Muitos capítulos podem ser auto-abortados pelo desejo de fuga diante dos duros desafios que foram colocados, considerando-os insuportáveis de serem encarados.
Cada linha de um capítulo é um ano de nossas vidas, havendo capítulos com apenas algumas letras ou palavras e nada mais, e outros que narram com riqueza de ações que independente de terem sido virtuosas ou não, serviram para que aos poucos fossem agregados mais sabedoria nesta grande obra que é a nossa jornada.
E todos os livros narram trajetórias de evolução, umas mais céleres e outras não, mas todas, no geral, fadadas a um final de glória da iluminação pessoal.
O plano da evolução é calcado no princípio da lógica que estrutura a vida para que ela se desenvolva dentro da mais absoluta justiça, sendo o Karma e a Reencarnação os agentes que levam ao equilíbrio e à harmonia.
Aquele capítulo abortado pelo escritor, por não ter tolerado a dureza de suas provas, provavelmente terá que ser reescrito tantas vezes até ele assimile o aprendizado.
As diferenças por mais “injustas” que possam parecer, são necessárias, pois elas se constituem no grande campo do exercício das provas individuais e nada pode ser feito para que haja um tratamento uniforme, pois dentro da grande caminhada cada um somente pode ser testado nos desafios segundo suas próprias necessidades.
E para ser testado diante de suas necessidades são facultadas as escolhas segundo o “livre-arbítrio” da pessoa.
O livre-arbítrio existe de fato, mas está circunscrito às ações que gerarão o Karma futuro, não havendo ação sobre o Karma Acumulado, pois esse se manifestará em Karma Maduro independente de qualquer ação presente.
Quando muito, podemos fazer com que as consequências desse Karma Maduro possam ser atenuadas pela compreensão e aceitação e assim os efeitos poderão estar a serviço do processo de amadurecimento, ainda que seja revestido de dor.
Assim, somos herdeiros de nós mesmos.
O “livre-arbítrio” existe, mas é o agente do karma futuro. Ele é a ação e vontade.
E essa força da vontade da pessoa para o caminho do bem somente será testada no seu confronto com os seus desejos e, após muitas quedas, ela vencerá.
E quando vencermos a nós próprios teremos a compreensão do significado do Amor.
O amor é a amálgama que a tudo envolve e aglutina, fazendo a fusão na essência, levando-nos à necessidade de compreendermos a unicidade e a importância de nos pautarmos pelo caminho do bem em auxílio a todos que sofrem.
Vimos que o amor cria a aparente separatividade, pois como ele move o Sol e as estrelas, cria também outro ser pela união dos sexos, sendo esse o maior exemplo da criação da separatividade no nível humano.
Separatividade não convive com possessividade, mas convive com a Unicidade.
No ato de criar, o que foi criado já não pertence mais a quem o criou. Um filho, uma música, um quadro, uma escultura, um livro, um poema, quando concebidos e formados, mostrados e lançados ao mundo, pertence a quem, senão ao Universo? Mas se aquilo que foi separado está dentro do Universo, incluindo nós próprios, naturalmente estaremos integrados ao Uno e não nos damos conta disso.
Paulo nos ensina que o amor a tudo une “pois é bondoso, não é invejoso, não é arrogante, não se ensoberbece, não ambiciona, não se irrita, tudo suporta, e regozija-se da verdade” não impondo qualquer condição, pois libera e desapega.
Conforme Khalil Gibran, “o amor não possui, nem é possuído, pois, baste-se a si próprio”.
Mas o amor somente pode ser encontrado pelo exercício do “livre-arbítrio”, não podendo ser condicionado por votos, compromissos ou juramentos, exceto quando nascidos do próprio pacto interior de quem o sente.
Para finalizar, faço uma pergunta para a nossa reflexão:
Quantos eventos terão que ocorrer para que possamos despertar desse longo sono?
Seguramente a trajetória da grande embarcação global está a atravessar tempos que exigirão a nossa regeneração para que façamos a regeneração planetária, que virá de uma forma ou de outra.
O sair da caverna significa sair das sombras. Paradoxalmente não é um ato de sair, mas de adentrar-se pelo processo do autoconhecimento, pois a “verdade não está lá fora”. Ela está, sempre esteve e estará dentro de cada um de nós.
Basta nos conectarmos ao sagrado.
“Conhecei a verdade e ela vos libertará!”
“Homem, conheça-te a ti mesmo!”
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