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777 Vidas - Ensaio

Extraído do Livro: "Um Peregrino do Tempo"

777 Vidas

Na Teosofia, tanto nas Cartas dos MahAtmas como na Doutrina Secreta, em Cosmogênese, é dito sobre a existência de 777 encarnações, desde a origem da Alma Humana até a sua saída para a iluminação, não mais voltando. Isso, no entanto, segundo essas fontes, é uma incógnita a ser resolvida, embora a carta 14 das Cartas dos MahAtmas faça referência a que essa soma de vidas é distribuída pelas raças-raízes, suas sub-raças e correspondentes ramificações. Assim, as 777 vidas estão relacionadas a um processo que abarca milhares ou milhões de anos (na perspectiva do tempo terrestre), sendo que as almas humanas estão aqui por muito tempo, embora algumas mais adiantadas do que outras. No entanto, isso é um enigma, sendo que aqui não tenho qualquer pretensão em tentar encontrar a solução. Não importa se é uma alegoria ou não, embora creia que tenha um fundamento ainda a ser elucidado.

Existe uma regra que pode contribuir para conjecturarmos sobre esse processo. Estou a me referir sobre o princípio de Pareto, que leva o nome em homenagem ao seu formulador, Vilfredo Pareto, engenheiro, sociólogo e economista, que viveu no início do século XX. Este princípio, também denominado regra 80/20 ou princípio da escassez do fator, afirma que 80% dos efeitos vêm de aproximadamente 20% das causas. Pareto chega a essas proporções a partir de observações empíricas e de pesquisa da distribuição de renda, onde, na Itália, 80% das terras estavam nas mãos de 20% da população, assim como no jardim de sua propriedade em que 80% das ervilhas vinham de 20% das vagens. A mesma distribuição se observa a todo sistema existente, sendo um conceito fundamental para aplicações diversas, que vai desde cenários sociológicos, biológicos, gestão empresarial, estatísticas de acidentes, no esporte, na identificação de talentos, etc, servindo para nortear a concentração de esforços de maneira mais racional e eficaz. Por exemplo, não necessito controlar todo o estoque de insumos de uma indústria, que contém milhares de itens, com o mesmo rigor, pois basta eu identificar aqueles que causam impactos na ordem de 80% no valor total do estoque, sabendo que somente 20% desses itens são os mais importantes, priorizando a minha atenção sobre eles.

Mas as proporções vão se estreitando, na medida em que uns 10% dos itens podem responder por mais de 90% dos resultados e assim sucessivamente, o que justifica a grande concentração de renda hoje observada.

Algumas décadas depois de Pareto, em seu livro Hierarchy of Needs: A Theory of Human Motivation, Abraham Maslow, psicólogo americano, propôs a teoria das necessidades, dando uma nova abordagem à psicologia humanista, contribuindo para a criação da psicologia transpessoal, que ele dizia ser a quarta força da psicologia (as anteriores foram a psicanálise, a comportamental e a humanista), sendo que ele incorpora conceitos junguianos e pavimenta a compreensão do mundo dentro de uma visão holística e quântica. Na teoria das necessidades humanas, também denominada Pirâmide das Necessidades, Maslow estabelece cinco categorias: fisiológicas, segurança, afeto, estima e autorrealização. É chamada de pirâmide, pois na medida em que uma necessidade é satisfeita, a pessoa passa a ter necessidade do estrato superior e assim sucessivamente, porém sempre com um número menor de pessoas, o que vai estreitando a população, de maneira tal que são poucos os que se concentram no quinto e último degrau, que é o da autorrealização.

Se uma necessidade de determinado estrato não for satisfeita por um indivíduo, o mesmo não terá desejo de satisfazer a necessidade de um próximo estágio, sendo que a motivação vem de forma gradual, assim como há pessoas que se dão por satisfeitas quando atingem uma determinada necessidade, não procurando a superior. Desta forma, a maior concentração das pessoas se dará nos níveis mais baixos de necessidades. Isso não significa que alguém que tenha nascido na pobreza esteja necessariamente fadado a viver exclusivamente para atender às necessidades fisiológicas ou de segurança. São notórios os casos de pessoas autorrealizadas entre aqueles que viveram ou até continuam vivendo entre a miséria humana, assim como aqueles que, mesmo tendo nascido em um estrato social revestido de privilégios, vivem somente para satisfazer seus desejos pessoais de posses e luxúria, a submeter o seu semelhante pelo poder que julga possuir. Naturalmente o meio pode influenciar, embora não seja determinante, sendo que as necessidades estão mais relacionadas ao estágio evolutivo da alma e não a um condicionamento estabelecido por qualquer hierarquia social.

A autorrealização em sua mais alta expressão é simbolizada pelo cume da pirâmide, correspondendo a iluminação e o encontro da pessoa com o seu verdadeiro Eu.

Assim, é natural que aqueles que estejam no final de sua caminhada rumo à iluminação sejam muito poucos, pelo menos no atual estágio evolutivo do planeta.

Por analogia, as 777 vidas podem estar relacionadas a essa evolução gradual da jornada da alma, em que 700 (90%) vidas são vividas como homem comum, que busca tão somente ao atendimento de suas necessidades fisiológicas, formadas pelos desejos ou por não terem saídas em razão de códigos sociais impostos ou pela exclusão, assim como de suas necessidades de segurança, que envolvem a moradia, a vestimenta e proteção. Outros 70 (9%) seguem para o atendimento de suas necessidades associativas, onde nutrem o amor e o sentido de pertencimento e descobrem que é pelo sentido de servir e pelos relacionamentos que se evolui. Uma vez aprendido o domínio dessas necessidades, passa-se para outro estrato da autoestima, relacionado às descobertas dos ideais da bondade, da beleza e da verdade, havendo o comprometimento ético humano, o qual vai evoluindo gradualmente até o ponto em que já se compreendem as leis que operaram a natureza humana e universal. Mas ainda, mesmo havendo essa compreensão, pode ter que trabalhar a pedra que já não é mais bruta, estando já lapidada, mas que ainda necessita ser devidamente polida, de forma a fazer refletir o esplendor do Sol da Divindade, como o insignificante grão de areia que mencionei no início do livro.

Mas somente 7 (1%) últimas vidas correspondem à vida da autorealização suprema, pelo caminho santificado, dedicada como discípulo aceito pelo Mestre, o que o fará se tornar seu filho para em seguida reunir condições para a primeira iniciação na hierarquia dos Homens Perfeitos, adentrando definitivamente ao plano iluminado, pois já não terá mais Karma, não haverá mais desejos de viver na matéria, podendo ser um Arhat, não mais retornando, ou um Bodhisatva, que não precisa mais retornar, mas o faz por amor à humanidade, para ajudar na caminhada daqueles que ainda se encontram nos degraus anteriores.

Parece-me que isso se ajusta ao Princípio de Pareto, pois as 700 vidas são vividas como peças que fazem volume, mas não acrescentam muitos valores de virtudes necessárias para nutrir a Alma Humana, esta sim reencarnante, pois não terá muito a oferecer e não há muito que fazer nos planos superiores, o que resulta em uma nova projeção no mundo da matéria, na busca por saciar sua sede de “viver” novas vidas orientadas pelos apelos dos sentidos.

As 70 vidas, que correspondem a 10%, são aquelas que vão agregar algum valor efetivo, fazendo somar gradualmente os ideais superiores, nutrindo a Alma Humana com princípios virtuosos, como o amor, a compaixão, a devoção, a coragem, a paciência, a humildade, a simpatia, ou seja, tudo que leva a um comportamento de fusão com a divindade.

Mas apenas 7, ou seja 1%, constitui-se na seleção suprema da vida, simbolizada pelos 7 degraus da Escada de Jacó, quando ele vislumbrou em seu sonho, a subida dos anjos ao Céu (Gênesis 28,11-19). Nestas 7 etapas, o homem já atingiu uma envergadura moral que faz com que ele não tenha mais necessidade de se afirmar em sua identidade pessoal, pois já não mais é ele que fala por si, mas ele é um instrumento da força maior dos Mestres em perpetrar a vontade suprema ao serviço regenerador da humanidade.

Parece-me que isso pode trazer luz a questões dos períodos entre reencarnações, existindo uma dispersão de tempo muito grande, podendo ir de poucos anos entre uma vida e outra, décadas, centenas de anos ou mais de mil anos, o que deixa os estudantes em dúvida sobre o que de fato é alegórico ou verdadeiro. Creio que existe uma tendência maior a que os intervalos entre as vidas sejam menores quando se trata das reencarnações iniciais, pois essas Almas Humanas têm necessidades intensas de viver experiências das relações com o mundo dos fenômenos, colocando-se em contato com toda sorte de vivências e situações. Podemos dispor, a título de exercício, o seguinte histograma, onde um eixo tem os intervalos entre vidas em anos e outro eixo a quantidade das vidas vividas, tendo uma progressão crescente até uma estabilização e depois decresce até as últimas sete.

Desta forma, até 550 vidas, por exemplo, vai se vivendo de forma ordinária, podendo haver a partir desse ponto uma inflexão, em que a Alma Humana vai lentamente despertando para outros interesses, até entrar em um ponto aonde vai se consolidando a fixação de metas mais nobres, participando das tratativas dos resgates kármicos, a fazer “pactos para o ajuste de condutas”, no sentido de se conduzir a um bom termo tendo em vista a sua realização e preparação para o caminho final, realizado pelas 7 últimas etapas, revestidas dos pequenos ajustes necessários para sua entrada no nirvana. Nestes casos o tempo entre reencarnações vai se acelerando.

Qual o estágio em que nos encontramos? Na realidade pouco importa, pois a ênfase deve mirar o caminhar,

bastando saber a direção para onde temos que ir e que não desviemos da rota. O destino sempre será único, pois todos nós estamos fadados à iluminação.

Porém enquanto isso não ocorre, continuaremos a viver vidas, obtendo os aprendizados como a de lançar sondas nas profundezas de um oceano escuro, mapeando os relevos, as profundidades abissais, as correntes profundas que arrastam sem piedade, dos vulcões submersos a expelirem a ira do confronto levando à fervura das águas, ao encontro de criaturas monstruosas que habitam nas profundezas das pressões elevadas a espreitar e atacar suas presas, como o mitológico leviatã. É uma dança frenética por fome de vida, que os budistas chamam em pali, de taṇhā ou em sânscrito de trishna, que significa sede ou desejo. Desejo ou fome por vida, de se apegar a experiências agradáveis ou se afastar das dolorosas, mas as duas formas são desejos egocêntricos produzidos pela ignorância, sendo que tudo isso é que leva ao sofrimento.

Budha nos ensinou sobre a natureza do sofrimento quando fala sobre as quatro nobres verdades e o caminho óctuplo, que são fundamentos de todo ensinamento budista. A primeira nobre verdade é a de que existe o sofrimento. Isso é inconteste, pois somos testemunhas vivas desse processo. Não viemos aqui para sermos felizes. Naturalmente não iremos nos atemorizar diante do sofrimento, mas temos que admitir que isso integra a natureza humana. Quem não sofre? O sofrimento é a vida. Nós sofremos para nascer, assim como em toda a trajetória de nossas vidas até à morte, que pode ser a libertação suprema.

Platão falava que "o corpo é o sepulcro de espírito". Ora, se o corpo é o sepulcro do espírito a morte, então, é a libertação do espírito, talvez para a vida eterna iluminada.

A segunda nobre verdade diz que a fonte de todo o sofrimento reside no apego. Apego de qualquer natureza. Às posses materiais, às paixões, ou mesmo a uma vida hedonista, ou seja, toda submissão aos desejos do ego psicológico, aos atributos inferiores do homem, que é a sua personalidade. Este ego psicológico é diferente do Ego falado pela teosofia que corresponde ao verdadeiro homem, a sua essência espiritual, que é, portanto, incorruptível. É o EU Superior. A terceira nobre verdade diz que é possível se libertar do sofrimento e a quarta nobre verdade nos revela o método a ser seguido para que isso seja conquistado que é o caminho óctuplo.

Para ilustrarmos essa questão da origem do sofrimento temos dois vetores: a linha do tempo e a linha dos valores, tangíveis ou não.

Nascemos e vivemos na busca pela satisfação de prazeres materiais e não materiais, como obtenção de poder, sensações sensoriais, necessidade de sermos reconhecidos entre outros.

Quando elegemos o objeto de prazer sofremos para obtê-lo e quando conseguimos, esse objeto nos dá uma felicidade, mas extremamente passageira, pois o desejo foi saciado e, em seguida, nós já elegemos um segundo objeto de conquista. E agora sofremos duplamente, pois sofremos para obter o novo e sofremos para manter o conquistado. E, quanto mais vivemos, mais vamos agregando coisas inúteis à nossa existência.

Como podemos fazer para cessar o sofrimento? Evitar a viver neste processo! Fala-se no Budismo que vivemos em Samsara, cujo termo tem duas conotações. Temos a roda de Samsara que é a roda de nascimentos e mortes, mas tem por significado também o andar em círculos e é este o sentido que estamos aplicando. É o perpétuo móbile, que tem a origem na ignorância, na ilusão centrada na permanência das coisas, promovida pelo eu ávido. Nós não temos a nítida compreensão de que tudo isso (o processo de obtenção e acúmulo) é efêmero. Normalmente percebemos isso quando chegamos ao fim da vida, quando a nossa perspectiva passa a ser limitada e questionamos os porquês de se ter tanto para viver.

Assim, o caminho óctuplo envolve as seguintes assertivas: É necessário que se tenha a Reta Visão, ou o entendimento correto, passando pela compreensão de todo esse mecanismo do sofrimento (eliminação da Inveja). Ora, se eu entendo corretamente as coisas, as relações de causas e efeitos, eu tenho que pensar de forma correta, envolvendo tanto o propósito de atitudes, como aquilo que eu aspiro na vida, em consonância com o entendimento correto. Se eu entendo e penso corretamente eu devo zelar pela minha fala. Não posso vir a falar coisas de forma a afrontar à reta compreensão e ao reto pensamento. A má fala envolve desde o comentário maledicente até a fala de coisas inúteis, vazias, que nada agregam ao desenvolvimento sadio de nossas vidas. Percebemos que este processo é uma escada, cujos degraus vão impondo uma dificuldade maior na caminhada. Assim temos, em seguida, a ação correta, o modo de vida correto, o esforço correto, diligência e atenção corretas e por último, concentração e meditação corretas.

Eu vejo que muitas vezes esse processo é subvertido em sua ordem, pois têm muitas práticas de apelo comercial que compelem à meditação, sem, contudo, observar todas as exigências que o caminho impõe.

Como podemos entrar em um processo de interiorização, reflexão meditativa, se eu não atendo aos aspectos éticos que o caminho me exige? Naturalmente não vai ser uma meditação saudável, não atingindo ao objetivo a que se propõe.

Estes princípios estabelecidos pelo Sr. Budha resultaram em uma série de interpretações. O Budismo é multifacetado, existindo diversas escolas, diversas tendências, diferentes filosofias que se desenvolveram, mas podemos fazer algumas divisões, mais para a compreensão didática. Os dois primeiros fundamentos estão ligados à sabedoria, pois é sábio aquele que entende e pensa corretamente. No entanto isso não é uma questão intelectiva, pois às vezes encontramos pessoas muito simples, iletradas, mas profundamente sábias e que entendem essas questões de maneira intuitiva e as praticam. Os quatros fundamentos seguintes estão ligados mais aos aspectos éticos, pois a fala correta, a ação correta, o modo de vida correto e o esforço correto, remetem a questões atitudinais, lembrando que a ética está ligada a ações praticadas que não levem prejuízos a qualquer semelhante e para a ética budista essa questão tem um envolvimento mais amplo, pois não podemos excluir os seres sencientes (os animais), pois este é o princípio da ahimsa, a doutrina da não violência. Os últimos dois fundamentos dizem respeito à disciplina mental.

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