A morte em três cenas - Ensaio
A MORTE EM TRÊS CENAS
A Morte é Vida e a Vida é Morte
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Quando se fala de morte, refere-se a todo fechamento de ciclos, seja do nascimento sob à ótica do espírito que nasce, dos ritos de passagens para adolescência ou da entrada na maturidade, do pináculo do curso da vida e da própria morte do corpo físico e seu renascimento em espírito.
A Morte significa todo processo de mudança, principalmente as inesperadas que nos impõe adversidades a serem enfrentadas, como as doenças, perda de empregos, o luto pelas “perdas” de parentes, as ruínas financeiras, processos judiciais, separações, encarceramentos de qualquer tipo, desencontros significativos.
Como nos deparamos com a mudança, dependerá de como estamos preparados enquanto almas.
Cena 1 – A Negação e a Fuga
Conta uma história secular, que na antiga cidade Persa de Isfahan, havia um rapaz que era criado de um rico mercador de tapetes. Certo dia o mercador deu a ele umas moedas para que fosse ao mercado comprar alimentos para a ceia. Ele foi para lá cavalgando e antes de entrar no mercado ele viu a Morte empunhando a alfange fazendo sinal em sua direção. Aterrorizado com a cena, deu meia-volta no cavalo e galopou para fora da cidade em direção à Samara. Lá chegando, à noite, cansado, instalou-se em um quarto de uma estalagem, deitando encolhido em uma cama, em um misto de alívio e medo pelo que tinha ocorrido, sentindo-se seguro por ter logrado a Morte. No entanto, a altas horas da noite, ele ouve batidas na porta e ao abri-la se depara justamente com a Morte lhe sorrindo. Trêmulo ele a indaga por que ela estava ali, se ele a tinha evitado. E a Morte, tranquila, respondeu “Eu vim buscá-lo e não sei pelo qual motivo você saiu em disparada, pois lá no mercado eu somente iria lhe dizer que nós tínhamos um encontro marcado esta noite aqui em Samara”.
Cena 2 – O Confronto
No filme “O Sétimo Selo” escrito e dirigido por Ingmar Bergman, lançado em 1957, conta a história de um cavaleiro cruzado que retorna à Suécia após dez anos de ausência (interpretado por Max von Sydow). Lá ele encontra o seu país devastado pela peste negra e tem a visão da Morte em pessoa, no seu trabalho a ceifar as “vidas” de todos aqueles que tinham o encontro marcado. Inconformado, ele interpela a Morte e a desafia para uma disputa de xadrez, na intenção de ganhar tempo e barganhar com a Morte, e em a vencendo poderia, quem sabe, sair livre da penosa situação. A Morte concorda, pois sabe que independente de qualquer situação, ela sempre vence, e no fim do desafio do jogo a Morte acaba levando o desafiante para o seu derradeiro destino.
Cena 3 – A Aceitação
O filme “Encontro Marcado” (Meet Joe Black) lançado em 1998 e remake do filme Death Takes a Holiday, de 1934, conta a história do milionário empresário Bill Parrish, dias antes de completar 65 anos (Anthony Hopkins), que recebe a visita de um estranho e misterioso homem, Joe Black (Brad Pitt), que se apresenta como sendo a própria personificação da Morte (na realidade ela empresta o corpo de uma pessoa que tinha sido atropelada e morta). A Morte passa a conviver algum tempo com Bill, sendo que este aceita ser o seu guia na Terra, para que fique conhecendo como é a vida dos mortais e dali nasce uma amizade e simpatia entre os dois. Sabendo do seu destino, Bill, no dia da comemoração de seu aniversário, na festa, ao som de uma Big Band e da queima de fogos de artifícios, celebra não só o seu nascimento como o momento apoteótico de sua partida. Assim, ele, ao lado de Joe Black, sobe gentil e elegantemente a escada dos jardins de sua luxosa mansão e desaparece na escuridão da noite, atravessando a ponte para o outro lado da margem.
Aqui, ao contrário de feia, a Morte se apresenta bela, loira e de olhos azuis embora seu nome seja Black (Negro), lembrando que o Negro representa a justiça cega e imparcial, sem qualquer coloração, como a toga negra da neutralidade de um juiz. É a própria justiça divina fazendo-se cumprir os desígnios do karma.
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Em algum momento, todos nós enfrentaremos grandes mudanças em nossas vidas, frutos de nossas escolhas nesta ou em outras vidas, que agora determinam situações a serem experimentadas.
O aprendizado é a dificuldade com que temos para lidar com as dificuldades.
A psiquiatra suíça Elisabeth Kubler Ross percebeu que existiam 5 estágios comuns que a maior parte das pessoas passava e com base nisso criou o Modelo de Kluber-Ross, também conhecido como os Cinco Estágios do Luto. São eles:
1. Negação: “Isso não pode estar acontecendo”. Resultado de um mecanismo de defesa que nos faz em não crermos que a situação é verdadeira, permanecendo presos ao passado e nos fechando para a realidade da vida.
2. Raiva: “Por quê eu? Isto não é justo.” Decorre de um equivocado senso de justiça, onde a pessoa se sente não merecedora do que está ocorrendo, levando-a à raiva e questionamentos dos motivos pelos quais a levaram a viver as situações.
3. Negociação: “Deixe-me viver apenas até eu concluir isso.” Aqui também não deixa de ser uma tentativa de fuga do acontecimento, porém é uma barganha menos dolorosa, envolvendo promessas, a procura por “milagres” e ao ganhar algum tempo a mais.
4. Depressão: “Estou muito triste, pois não sou capaz em vencer a dificuldade”. Resulta do sentimento de que a tragédia vai acontecer de qualquer jeito e se entrega ao medo, à angustia e à solidão.
5. Aceitação: “Tudo acabará da melhor forma”. Após viver as fases anteriores vem a percepção de aquilo faz parte da vida e que a mesma continua, passando a ver algum valor positivo. Pela aceitação a pessoa consegue até trazer mudanças positivas para a vida.
As duas primeiras etapas (Negação e Raiva) se relacionam a história narrada na Cena 1, onde a pessoa (aprendiz no processo da vida), encontra-se em posição emocionalmente reativa aos acontecimentos adversos e busca a proteção e abrigo no útero materno divino (Samara significa protegida por Deus).
As terceira e quarta etapas (Negociação e Depressão) estão expressas pelo enredo apresentado na Cena 2, onde o cavaleiro penitente (companheiro que já tem o conhecimento cognitivo) usa seu argumento mental representado pelos lances do jogo de xadrez que simboliza o jogo da vida, desafiando a própria morte para barganhar uma saída e quando a mesma não vem, cai em prostração como vítima de seu cruel destino.
Já a quinta etapa (aceitação) corresponde a percepção e postura estoica da realidade reservada àquele (posição do Mestre) que já obteve o conhecimento de que a vida sempre toma o seu curso, mesmo depois da Morte e que esta é de fato a sua aliada e não a antagonista, pois simplesmente é ele próprio quem está a colher dos frutos de seu karma semeado em um passado, ainda que não conhecido.
Em qual estágio você se encontra?
Está preso às convicções, às ideologias, a partidarizações, a este ou àquele modelo?
Enquanto presos, não só às posses tangíveis, mas principalmente aos sistemas de crenças e conceitos intangíveis, estaremos amedrontados, fechados, refratários, em sofrimento pelo inconformismo e reféns de acontecimentos que fogem a nossa capacidade de decisão e controle.
Assim, qualquer mudança deve ser encarada como mera transição de etapas da evolução da alma, e estejamos preparados pelo o que há por vir no porvir.
Tenhamos fé, pois,
Não há o que perder o que nunca se teve!